« Se souberes tocar, eu caso contigo. »
Estas palavras vieram de uma mulher que acreditava que o dinheiro lhe dava o direito de humilhar toda a gente.

Não se esqueça de mencionar nos comentários de que país está a ver.
Tudo começou num elegante encontro onde políticos, empresários e herdeiros de grandes fortunas enchiam o salão.
Entre eles, estava uma jovem milionária que gostava de chamar a atenção com apostas absurdas e o seu sorriso arrogante.
Em frente ao piano de cauda, ela apontou para o homem que limpava discretamente um canto.
Era Samuel, o zelador, um homem quieto com o seu uniforme azul, que nunca procurava confusão, mas que todos consideravam invisível — até que decidiu aproximar-se.
« Tu », disse ela, apontando para ele em tom de troça.
«Vamos ver se consegues fazer-nos sorrir com esta coisa — embora o teu talento esteja noutro lugar, certo?» A frase foi acompanhada de risos e olhares conspirativos dos seus amigos.
Samuel hesitou por um momento.
Não se sentava ao piano há anos — não por falta de amor pela música, mas porque a vida o tinha levado por caminhos onde a arte não pagava as contas.
Avançou com passos firmes, sem levantar os olhos.
Colocou as mãos nas teclas e sentiu o marfim frio sob os dedos.
Tentou tocar, mas as mãos estavam rígidas.
Murmúrios de troça rodeavam-no como um eco desagradável.
« Relaxa, isto não é uma prova », gritou alguém, rindo.
« E se for reprovado, não se preocupe, ainda estará a esfregar o chão depois. »
A humilhação era tão evidente que alguns na plateia desviaram o olhar, envergonhados, mas não intervieram.
As primeiras notas soaram desajeitadas, como se os seus dedos procurassem uma memória perdida.
A milionária inclinou-se para a frente, tamborilou com o dedo no piano e riu-se.
« Olha, o teu talento faz-nos rir.
Eu nem consigo ficar zangado. »
O grupo desatou a rir, celebrando o momento como se fosse uma apresentação pré-combinada.
Samuel respirou fundo e tentou não deixar que a raiva lhe toldasse a mente.
Sabia que cada palavra seria usada contra ele, mas ninguém suspeitava que, antes de se tornar zelador, Samuel se tinha apresentado em grandes palcos e acompanhado cantores e orquestras.
Há anos, um revés pessoal levara-o a deixar tudo para trás.
Nessa noite, porém, algo começou a despertar dentro dele.
Os seus dedos moviam-se com mais confiança enquanto se lembrava de antigos exercícios e escalas que praticara durante horas na sua juventude.
O grupo, porém, não se apercebeu.
Continuaram a conversar sobre como era estranho ver um simples funcionário a tentar orientar-se num mundo que — na sua opinião — não era o deles.
« Vá lá, a tua especialidade deve ser esfregar o chão », brincou um dos homens, erguendo um copo para o milionário.
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Naquele momento, porém, um dos presentes — um homem mais velho, de olhar apurado e terno impecável — observava com mais atenção do que os outros.
Algo na postura de Samuel, na forma como começou a pressionar as teclas, pareceu-lhe familiar.
Não disse nada, apenas se inclinou para a frente e deixou de sorrir, tal como os outros.
Entretanto, Samuel sentia o coração bater forte e a tensão nas mãos diminuir.
A milionária levantou-se da cadeira, caminhou até ela e, com um sorriso provocador, repetiu o desafio:
« Vou dizer-te outra vez: se conseguires tocar, eu caso contigo.
Embora — pela sua aparência — isso provavelmente nunca aconteça. »
O riso voltou, mais alto e mais doloroso.
Samuel fechou os olhos, ignorando cada palavra, cada gesto de troça, e concentrou-se completamente nas teclas que estavam debaixo dos seus dedos.
No momento em que estava prestes a tentar uma composição mais complexa, o grupo cercou-o —
rodeando-o como se quisessem vê-lo falhar novamente.
A pressão era esmagadora.
Os murmúrios das suas gargalhadas misturavam-se com a ténue lembrança de aplausos de outrora.
E Samuel sentiu uma vontade que não sentia há anos — no momento em que o milionário falou com uma voz calma que mudou completamente o ambiente.
« Vá lá, surpreenda-nos — se puder. »
Samuel abriu os olhos lentamente e quebrou o pesado silêncio entre os comentários irónicos com uma primeira nota firme.
Os seus dedos moviam-se com mais confiança agora, a um ritmo controlado, como se alguém estivesse a pesar cada passo antes de dar um passo decisivo.
Mas o riso não parava.
Alguém chegou a imitar os seus movimentos, gestos exagerados que provocaram ainda mais risos.
A milionária cruzou os braços, inclinou a cabeça e sorriu ironicamente.
« Vá lá, é só isto? », insistiu ela.
« Se me quer surpreender, precisa de o fazer antes que o vinho acabe. »
O clima estava contra ele — e ele sabia disso.
Uma nota fora do lugar seria motivo de humilhação eterna.
A tensão aumentou quando um dos jovens presentes se dirigiu ao piano com evidente desdém e, sem permissão, tocou algumas teclas desordenadamente, interrompendo a melodia em desenvolvimento.
« Vês, soa melhor assim », disse, soltando uma gargalhada.
Samuel sentiu um nó no estômago, mas manteve as mãos no instrumento.
Sabia que, se se levantasse agora ou começasse a discutir, perderia não só a hipótese de a silenciar, mas também a última ligação com o piano que tanto amava.
O milionário riu alto, celebrando o gesto do jovem como se fosse uma representação teatral para a entreter.
O velho, que observava de longe, deu um passo em frente, mas um homem ao lado colocou-lhe a mão no ombro, como que a indicar que não devia intervir.
Samuel, rodeado por um círculo de risos e sussurros, respirou fundo e começou a tocar novamente, desta vez mais depressa, como se estivesse a obrigar as mãos a recordar algo com golpes de memória.
Mas a pressão psicológica era implacável.
Cada olhar, cada sussurro empurrava-o para mais perto do fracasso.
Naquele momento, sentiu que talvez tivessem razão, que talvez o seu talento não passasse de uma memória fragmentada.
Quando estava prestes a desistir, uma voz grave soou de repente ao fundo.
« Dê-lhes algo que não possam esquecer. »
Samuel ergueu os olhos e viu o velho a fitá-lo com uma seriedade que não admitia contestação.
Aquele olhar despertou algo nele, um orgulho adormecido há anos.
O milionário franziu o sobrolho perante a interrupção, mas não disse nada.
O interesse dela misturava-se agora com uma ligeira curiosidade.
Samuel voltou a fechar os olhos e deixou os dedos deslizarem suavemente sobre as teclas.
A mudança foi quase impercetível no início.
As notas começaram a fluir de forma mais suave, ligando acordes com uma precisão que ele nunca tinha demonstrado antes.
O murmúrio de comentários trocistas abrandou um pouco, como se a música já estivesse a cortar as palavras antes mesmo de serem ditas.
O velho sorriu de forma quase impercetível, mas reconheceu a técnica e a sensibilidade por detrás de cada nota.
A milionária, que ainda conservava o sorriso trocista, parou de rir.
Os seus olhos acompanhavam cada movimento das mãos de Samuel, como se algo dentro dela oscilasse.
A cada batida, Samuel recuperava a confiança.
A música crescia em intensidade e transformava-se numa interpretação magistral de uma peça que combinava força e ternura.
Alguns na plateia, sem se aperceberem, pararam de rir e começaram a assistir em silêncio.
As mãos de Samuel moviam-se com uma elegância que só anos de experiência poderiam transmitir, e o salão encheu-se gradualmente de uma nova energia.
A tensão dissipou-se não através de gritos ou discussões, mas pelo poder silencioso do seu talento.
Quando chegou à parte mais difícil da peça, Samuel tocou um excerto tão rápida e claramente que alguém na plateia explodiu involuntariamente em aplausos.
O silêncio era absoluto.
Ninguém ousava interrompê-lo agora.
A milionária tinha parado de sorrir.
Os seus lábios estavam ligeiramente entreabertos, como se não conseguisse conter o que via.
O velho assentiu lentamente, com a expressão satisfeita, como alguém cujas suspeitas se tinham confirmado.
A nota final ecoou como uma martelada pelo salão, encerrando não só a peça, mas também qualquer dúvida sobre a sua habilidade.
Samuel levantou as mãos do piano, colocou-as sobre as pernas e olhou em frente, sem esperar aplausos.
O primeiro a responder foi o velho, que começou a bater palmas com uma força inesperada.
Lentamente, outros imitaram-no, embora alguns visivelmente hesitantes, conscientes de que se tinham apercebido do seu próprio erro.
A milionária permaneceu imóvel durante alguns segundos antes de desviar o olhar e forçar um sorriso.
« Bem, parece que estava enganada », disse ela suavemente, quase para si mesma.
O velho caminhou até Samuel, apertou-lhe a mão e, olhando em redor, declarou:
« Este homem vale mais do que qualquer um de vós, pois o que ele possui não está à venda ». E devia aprender alguma coisa hoje. »
O silêncio que se seguiu foi mais confrangedor do que qualquer riso trocista.
Samuel levantou-se com imperturbável dignidade, convencido de que a ferida daquela noite permaneceria, mas também a recordação de como recuperara a voz através do piano.